domingo, 30 de dezembro de 2012

Os novos atores políticos

Um dos fatos mais relevantes de 2012 foi a transformação dos juízes do Supremo Tribunal Federal em novos atores políticos. Já há algum tempo o STF virou protagonista de primeira grandeza nos debates políticos nacionais, ao arbitrar grandes questões ligadas à vida nacional em um ambiente de conflito. Por tal razão, vemos hoje um fato absolutamente inédito na história nacional: juízes do STF reconhecidos por populares.
Durante décadas, a Suprema Corte era um poder invisível para a opinião pública. Ninguém via no Supremo a expressão de um poder que poderia reverberar anseios populares. Hoje é inegável que algo mudou, principalmente depois do julgamento do chamado “mensalão”, no qual o tribunal procurou traduzir em ações as demandas sociais contra a corrupção. Nesse contexto de maior protagonismo do STF, algumas questões devem ser colocadas.
Fala-se muito da espetacularização do Judiciário, que seria sensível aos apelos da mídia e de setores da opinião pública. Isto principalmente depois da criação de um canal de televisão, a TV Justiça, pelo qual é possível acompanhar julgamentos do STF. Se levado a sério o argumento, teríamos de afirmar que tal espetacularização é um fenômeno a atingir a democracia como um todo, e não apenas um de seus poderes. Na verdade, melhor isso do que os momentos nos quais juízes do Supremo podiam dizer que julgavam “de costas para a opinião pública”. A democracia exige o regime da máxima visibilidade dos entes e processos públicos.
Segundo, que juízes se vejam como atores políticos não deveria ser visto como problema. Só mesmo um positivismo jurídico tacanho acreditaria que a interpretação das leis pode ser feita sem apelo à interpretação das demandas políticas que circulam no interior da vida social de um povo. Interpretar uma lei é se perguntar sobre o que os legisladores procuravam realizar, qual o núcleo racional por trás das demandas que se consolidaram através da enunciação de leis. Que juízes se vejam, atualmente, com tais incumbências, eis algo que não deveria nos preocupar.
Há, porém, duas questões urgentes que merecem nossa atenção diante deste novo momento do Judiciário. Primeiro, a tripartição dos poderes foi feita com vistas à possibilidade de constituir um sistema de mútua inspeção. Um poder deve ter a possibilidade de servir de contrapeso aos demais. Para isso, todos os três poderes devem ter o mesmo grau de legitimidade e todos devem ter mecanismos simétricos de controle.
O único fundamento de legitimidade reconhecido pela democracia é a soberania popular. Ela se manifesta na escolha do Poder Executivo e do Legislativo. Mas está completamente ausente no interior do Poder Judiciário. O sistema de escolha e nomeação dos integrantes do STF, com suas indicações do Executivo e sabatina do Legislativo, é completamente opaco e antidemocrático. Haja vista as recentes inconfidências do ministro Luiz Fux a esse respeito. Nem sequer procuradores do Ministério Público são escolhidos por deliberação popular. Um poder que deseja um protagonismo político respeitado deve se abrir para a participação popular direta. Há uma criatividade institucional necessária que deve ser mobilizada para sairmos de um sistema “monárquico” de constituição do Judiciário, com suas indicações por compadrio ou “serviços prestados”, seus cargos sem tempo fixo de mandato.
O problema do controle do Judiciário não deve, no entanto, ser posto necessariamente na conta de tentativas de amordaçamento. Todos os poderes têm mecanismos de controle. Por exemplo, podemos aplicar impeachment em um presidente, cassar o mandato de um deputado, mas o que fazer quando um juiz do STF demonstra-se inapto ao cargo? Um poder democrático é aquele que deixa claro seus mecanismos de entrada e de saída, ou seja, como ele escolherá seus integrantes e como afastará quem se demonstra inabilitado para o cargo. Nos dois casos, nosso Judiciário tem muito no que avançar.
É necessário que a sociedade brasileira tenha a serenidade para discutir mecanismos de reforma do Judiciário, principalmente agora que compreendemos a importância de sua função. A democracia tem muito o que construir no que diz respeito à legitimidade popular de seus juízes.
 
 
 
 
 

Com mensalão, STF julgou maior processo de sua história

Originalmente com 40 réus, a ação produziu mais de 50 mil páginas e demandou a oitiva de 600 testemunhas.
 
“Vocês nunca mais vão ouvir falar de uma ação tão longa, de um julgamento tão complexo.” Foram com essas palavras que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, encerrou o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, após mais de quatro meses de trabalho. Responsável por conduzir o caso na condição de relator, Barbosa admitiu que o mensalão trouxe “traumas” e que chegou a ter dúvidas sobre a conclusão do julgamento.
Além do grande impacto político, a complexidade da Ação Penal 470 vem da própria estrutura do processo. Originalmente com 40 réus, a ação produziu mais de 50 mil páginas e demandou a oitiva de 600 testemunhas. O julgamento durou 53 sessões e consumiu 204 horas de funcionamento do plenário, monopolizando o trabalho do STF no segundo semestre – em geral, a Corte leva até quatro sessões para julgar casos mais complexos.
 
A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2006 apontava indícios de funcionamento de esquema de pagamento de propina a políticos e desvio de dinheiro público entre 2003 e 2004. Depois de anos de apuração, o procurador-geral, Roberto Gurgel, concluiu que o mensalão foi “o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil".
Os crimes descritos pelo Ministério Público foram corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira, evasão de divisas e formação de quadrilha. Entre os denunciados estavam políticos ligados ao governo, parlamentares, assessores, donos e funcionários de empresas da área financeira, publicitária e de corretagem e um funcionário público.
Dos 40 réus iniciais, três não chegaram a ser julgados pelo STF. Ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira fez um acordo com o Ministério Público e prestou serviços comunitários; José Janene, ex-líder do PP na Câmara dos Deputados, morreu em 2010; e o empresário Carlos Alberto Quaglia, dono da corretora Natimar, será julgado pela Justiça comum devido a um erro processual no STF.

O julgamento do mensalão começou no dia 2 de agosto, depois de quase sete anos de tramitação na Suprema Corte, com a solução de questões preliminares e a apresentação das teses de acusação e de defesa. A fase de condenações e absolvições começou em 16 de agosto e terminou apenas em outubro. Dos 37 réus, 25 foram condenados e 12 absolvidos.
A etapa da fixação das penas começou no dia 23 de outubro e só acabou no início de dezembro. A Corte decidiu que 11 réus devem cumprir a pena em regime inicialmente fechado, 11 em regime semiaberto, um em regime aberto e dois tiveram a pena substituída por medidas restritivas de direito, como pagamento de multa e proibição de exercício de função pública. Ao todo, as condenações somaram 273 anos, três meses e quatro dias de prisão, e as multas superaram R$ 20 milhões em valores ainda não atualizados.

A partir de 5 de dezembro, os ministros decidiram questões residuais, ajustando penas e autorizando a perda de mandato de parlamentares. O julgamento terminou em 17 de dezembro, mas a ação penal continua tramitando. É esperada para o início de 2013 a publicação do acórdão, documento que sintetiza os principais acontecimentos do julgamento. Somente com o acórdão as sentenças podem ser executadas ou recorridas pelos advogados, que já prometeram acionar o STF para contestar as condenações e penas aplicadas.


Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1&id=1331287&tit=Com-mensalao-STF-julgou-maior-processo-de-sua-historia. Acesso em: 30 dez. 2012.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Dois novos livros: Dr. Luís Roberto Barroso

O primeiro chama-se O Novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. O livro comemora os meus 30 anos de vida acadêmica e é dividido em duas partes. A primeira contém seis artigos escritos ao longo desses anos. Cada um deles é antecedido de uma Nota Introdutória na qual procuro contextualizar o momento em que foi escrito e o propósito a que se destinava. Na segunda parte do livro, narro os bastidores, teses jurídicas e curiosidades de cinco casos em que atuei no STF: anencefalia, células-tronco embrionárias, uniões homoafetivas, nepotismo e Cesare Battisti. O segundo intitula-se A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: A construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Trata-se da versão em português do trabalho que escrevi durante minha estada, no ano passado, como Visiting Scholar na Universidade de Harvard.
 
 
Para quem tiver interesse, vai abaixo os capítulos introdutórios dos dois novos livros.
 
 
 
 
 
Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=618. Acesso em: 27 dez. 2012.

STF revê súmula que trata do nepotismo



O STF (Supremo Tribunal Federal) deverá reformular o texto da Súmula Vinculante 13, que proíbe a prática de nepotismo nos Três Poderes da República. O Presidente da Corte, Ministro Cesar Peluso, disse. No CNJ, que as decisões tomadas pelo STF em relação ao nepotismo, desde a aprovação da sumula, em 2008, não são conflitantes com o entendimento dos conselheiros do Conselho sobre o assunto. O comentário foi feito a partir da análise de processos envolvendo casos de nepotismo ligados ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
 
O relator, Ministro Jorge Hélio, argumentou que o STF trata a Súmula Vinculante 13 com "relativismo" ao apreciá-la. Para ele, o nepotismo "atenta contra tudo o que é ético e deve ficar fora do princípio que tem que nortear a administração pública e os direitos fundamentais". Alguns conselheiros do CNJ não veem uniformidade de pensamento sobre a questão do nepotismo no STF.
 
A Súmula 13
 
A Súmula 13 prevê que viola a Constituição Federal a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau [como tios e sobrinhos], inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas.
 
 
 
 
 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Eterno enquanto dure

Com a saída de Ayres Britto e a chegada de Teori Zavascki, volta a discussão sobre o caráter vitalício do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. Se não se despedem voluntariamente antes -como já fizeram Nelson Jobim e Ellen Gracie-, eles são despejados compulsoriamente aos 70 anos.
É assim que o decano Celso de Mello e o peculiar Marco Aurélio jogaram a toga sobre os ombros aos 43 anos para se enfurnarem no Supremo por um quarto de século. O mundo dá voltas, a política brasileira faz piruetas e lá estão os dois sobrevivendo a Collor, Itamar, FHC e Lula -e convivendo com Dilma.
Dias Toffoli assumiu aos 41 anos e, sendo bom ou ruim, se quiser ou aguentar, poderá ficar lá até outubro de 2037, num total de 28 anos. Há dúvidas sobre o quanto isso é bom para o tribunal e para o próprio juiz. Tanto que o debate vai e volta.
Na Alemanha, na Itália e em Portugal, os ministros da alta corte têm mandato fixo. No sistema alemão, que Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa conhecem bem, esse mandato era de 12 anos e foi reduzido para nove, tempo razoável para função tão importante, sem reeleição e sem coincidência com a eleição presidencial.
É um critério bem melhor do que o corte de 70 anos. Para uns, idade muito avançada. Para outros, nem tanto.
Ayres Britto foi nomeado aos 60 e sai compulsoriamente por completar 70 hoje. Pelo "amor ao STF" e pelo vigor intelectual, poderia ficar uns bons anos a mais, mas dez anos lhe parecem de bom tamanho.
Britto chegou ao tribunal maduro (de ideias, de sabedoria, de experiência) e sai ainda cheio de vida e de projetos para além-toga. Vai continuar morando em Brasília, fazendo pareceres especiais, escrevendo poesia, lendo romances. E defendendo mandato fixo para o Supremo.
Como diz Cármen Lúcia, "vitaliciedade é coisa do Império, transitoriedade é própria da República".
 
 
 
 

República!!!

“Eleitos não podem fazer qualquer coisa com o interesse público”
 
 O professor Carlos Luiz Strapazzon, professor de Direito Constitucional e autor do blog “República Inacabada”, fala sobre a confusão que se faz sobre República e Democracia e por que é preciso entender esses conceitos.
A República, como “coisa pública”, é muito confundida com a ideia de democracia, de um país governado pelo povo. O senhor concorda com essa ligação entre República e governo do povo?
Países republicanos nunca foram governados pelo povo e sim por representantes. O povo participa do poder político, seja elegendo ou tomando decisões pontuais em plebiscitos, referendos. Não quer dizer que o sistema precise que o cidadão dedique seu tempo para a administração da coisa pública. As democracias trouxeram uma visão de que o governo seria do povo. Na República, representantes de divindades e tradições estão fora. Todos os tipos de discursos que justificam a existência do poder orientados por razões e índole popular se transformaram em governo do povo, mas isso só ocorreu com os gregos. Não é assim hoje. Nós escolhemos quem governa, acompanhamos o que os governantes estão fazendo, mas estamos cuidando das nossas vidas particulares.
A população parece estar bem distante do governo. Será que ela acompanha, realmente, o que ocorre?
É claro que acompanha. Em alguns momentos, com mais intensidade e, em outros, menos. Não decide diariamente coisas de interesse público. Porém, critica, apoia as boas decisões e faz isso dependendo do assunto implicado. É ela quem escolhe a elite que a dirige. As democracias de certo modo misturaram as coisas, tentando dizer que a autoridade e o povo se confundem. Não é assim.
O que estamos falando quando citamos a cultura republicana?
É o regime no qual o governo procura proteger o interesse público. É uma das primeiras características, mas não é só isso porque, em uma ditadura, um governo autoritário pode agir em nome do interesse público. Muitas autoridades públicas tomam atitudes em nome de “interesse públicos”, praticando atos que não são republicanos. A República tem essa marca fundamental de ser um regime orientado pela preservação do interesse público, mais do que o interesse do povo, ou da elite governante. Se a maioria do povo não quer a união homoafetiva não quer dizer que o Estado não vai proteger essas minorias. É o respeito de direitos fundamentais.
Quando fica perfeita a união da democracia com a República?
Depois do século 19 é difícil separar. Na atualidade republicana, os que foram eleitos não podem fazer qualquer coisa com o interesse público. A diferença fundamental entre as repúblicas e as democracias é que os regimes democráticos têm processos competitivos de escolha de quem vai governar. Já os regimes republicanos têm critérios dos mais diversos para escolha de governantes, o que importa é que o interesse público esteja no governo. Uma democracia sozinha não é capaz de garantir um governo com interesse público. Pode-se eleger governos demagógicos, nos quais o que vale é a vontade do povo que o elegeu e não o interesse público.
Você entende que a população está compreendendo mais a função republicana de defesa do interesse público?
Essa dimensão republicana começa a ficar mais clara e isso quer dizer que vamos exigir outras coisas. Por exemplo, não se aceita um regime arbitrário. Aquilo que é orientado pelo interesse público tem de ser justificável, precisa ser razoável. Todos precisam entender as razões de uma decisão. E isso para que ele possa ser controlado nos seus excessos ou nas suas omissões.
Podemos dizer que o Brasil caminha para um amadurecimento dessa cultura republicana?
Há evidências de uma republicanização progressiva. A Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Acesso à Informação são evidências claras. É um Estado orientado pela legalidade. A nossa Constituição tem tradição republicana, com separação de poderes. Há sistema de controle recíproco, criou o Ministério Público só para exercer a função de controle.
Porém, somente a instituição não garante uma república real.
Sem dúvida. As repúblicas jovens precisam de uma institucionalidade republicana que seja reconhecida desta forma e de uma cultura cívica. Mas as instituições republicanas podem gerar uma cultura cívica. Uma coisa afeta a outra.
Nesse sentido, é possível dizer que o julgamento do STF sobre o caso mensalão pode ajudar nessa nova cultura no Brasil?
É difícil de perceber no meio do turbilhão o que vem adiante. O que é claro é a superexposição dos ministros do Judiciário. Muita gente não fazia ideia de como funcionava e de repente vêm esses caras com capas pretas mandando figurões para a cadeia. Isso tem uma simbologia. O STF está deixando claro o que é o interesse público e o que é interesse privado.