domingo, 15 de janeiro de 2012

O observatório judiciário de Ronald Dworkin

O império do Direito e o conceito de integridade.

O Direito como integridade pressupõe que o juiz consciente de sua função deve apreciar vários critérios, dentre eles as circunstâncias do caso concreto, a moral política da comunidade e a opinião das instituições que estão ou devem estar coerentes com o grupo social e a constituição.

Resumo: o artigo transforma metodologicamente o livro O império do direito de Ronald Dworkin em um programa de pesquisa institucional qualificado para produzir conhecimento crítico sobre os processos judiciais no cotidiano do Poder Judiciário, refutando a influência do convencionalismo e do pragmatismo jurídico. O artigo contribui desse modo na ampliação do debate das ideias desenvolvidas por Ronald Dworkin propondo uma representação metodológica inédita sobre o livro O império do direito que é testada e bem sucedida, empiricamente, no estudo das decisões judiciais.

Leia na íntegra aqui.


by Heraldo Elias Montarroyos


A legitimidade na escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal: uma análise à luz da doutrina de Niklas Luhmann

Se a escolha é constitucional, pouco importarão as decisões dos ministros, pois a legitimidade estará pautada no procedimento e nada mais haverá para se discutir. Alguns autores utilizam a moral com o senso guarnecido no justo para dizer se uma decisão é legítima ou não. Mas percebe-se que tal metodologia é inócua, uma vez que cada cidadão tem sua percepção de moral e justiça.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este artigo é resultado e um trabalho monográfico realizado, o qual problematiza o método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro, analisando se a interferência do Poder Executivo na nomeação destes magistrados afeta na legitimidade de suas decisões, bem como fazendo um estudo sobre a legitimidade com enfoque no método procedimental desenvolvido por Niklas Luhmann, sem deixar de investigar a teoria da tripartição funcional dos poderes desenvolvida por Montesquieu.
A legitimidade tem sua origem na necessidade de aceitação e de pacificação na implantação de determinadas ordens (políticas ou jurídicas). Tal instituto possui vários conceitos que foram sendo modificados durante o tempo. Em certos momentos, a legitimidade foi ligada à efetividade da autoridade; em outros, foi tida como conotação de conformidade com uma lei ou costume; resultante das decisões do soberano político baseado em leis positivas; como relação de poder e dominação, existindo em três modos ideais de autoridade legítimas em seus aspectos tradicional, carismático e racional-legal, etc.
A teoria de Luhmann surpreende ao trazer uma variante da legitimidade pela legalidade de fundo decisionista. Assim, far-se-á necessária a distinção entre a legalidade e a legitimidade, institutos tantas vezes confundidos e até mesmo utilizados como sinônimos.
Além da perspectiva jurídica, este trabalho possui vertentes sociológicas e filosóficas, apresentando extensa importância social, vez que traz a lume os conceitos de legitimidade – muitas vezes esquecidos, sem deixar de destacar a clássica legitimidade baseada no valor e no justo e trazendo uma "nova" teoria que irá nos auxiliar a refletir sobre o verdadeiro enfoque do direito (político-jurídico) e do seu alcance na sociedade moderna.
Luhmann, em seu método procedimental, dispõe que o conceito de legitimidade não estaria pautado em valores pré-estabelecidos, mas sim consolidado numa idéia de justiça e verdade independentemente de quem seja o detentor do poder e do que venha a decidir, pois as decisões tomadas por tal estariam pautadas em um sistema, procedimentadas funcionalmente.
A legitimidade das decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal possui grande relevância social, afinal, diariamente tais magistrados julgam processos de interesse nacional, tais como: constitucionalidades de leis e demais atos normativos criados pelo Poder Legislativo, as infrações penais dos membros do Congresso Nacional, bem como do Presidente da República e, principalmente, são guardiões da nossa Constituição Federal.
Ademais, o presente tema ganha maior relevo no presente momento, tendo em vista a proposta de Emenda à Constituição 342/2009, em trâmite no Congresso Nacional, na qual se pretende mudar o método de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
O tema em questão e a posterior pesquisa sobre ele nasceram de uma preocupação com os rumos supostamente políticos que o Supremo Tribunal Federal estaria tomando por causa da nomeação quase que exclusiva do Chefe do Poder Executivo dos ministros daquela Corte, o que refletiria diretamente nas decisões dos magistrados integrantes deste tribunal. Será que esta preocupação foi contida ao descobrir os ensinamentos de Luhmann? Este e muitos outros questionamentos serão respondidos ao longo do trabalho.

Leia na íntegra aqui.


REINERT, Larissa Friedrich. A legitimidade na escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal: uma análise à luz da doutrina de Niklas Luhmann. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3111, 7 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20814>. Acesso em: 15 jan. 2012.     


Advocacia perante o STF - palestra do Dr. Luís Roberto Barroso

"Recebi do Instituto dos Advogados de São Paulo, presidido pela Professora Ivette Senise Ferreira, o vídeo de uma palestra que fiz naquela entidade no segundo semestre de 2011. Por solicitação do IASP, falei sobre ”Advocacia perante o Supremo Tribunal Federal”. Falei de derrotas, vitórias e até de um empate, com comentários sobre alguns casos de mais visibilidade. Dentre eles, pesquisas com células-tronco embrionárias, anencefalia, uniões homoafetivas, monopólio postal e Cesare Battisti. A palestra foi incluída na parte permanente desse site e pode ser acessada clicando o link."

by Luís Roberto Barroso

Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/?p=514. Acesso em: 15 jan. 2012.

Despreparo legislativo

De cada 10 projetos de lei, 9 não têm benefício efetivo.

Propostas apresentadas por legisladores em 2011 repetem normas já existentes, atropelam competências ou são simplesmente inconstitucionais.

Apenas um em cada dez projetos de lei apresentados nas três esferas do Poder Legislativo em 2011 trará, se aprovado, algum benefício efetivo na consolidação dos direitos dos consumidores. Levantamento feito pela Gazeta do Povo revela que 90% das proposições apresentadas à Câmara Municipal de Curitiba, Assembleia Legislativa do Paraná e Câmara dos Deputados são desnecessárias, repetitivas ou apenas irrelevantes.
Por exemplo, das 186 proposições apresentadas em 2011, 111 buscam regular temas já previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC), tentam reproduzir no âmbito municipal ou estadual leis federais já vigentes ou, na direção contrária, querem legislar sobre temas fora da competência do legislador. Outros projetos são simplesmente inconstitucionais.
Além disso, 25% das propostas apresentadas buscam regular o acesso do consumidor à informação sobre produtos e serviços – garantia básica já assegurada pelo CDC – com a criação de leis que tornam obrigatória a divulgação, através de placas, cartazes ou avisos, de outras leis e direitos já existentes.
Na Câmara Municipal de Curitiba, por exemplo, pululam projetos que tentam legislar sobre assuntos fora da competência dos vereadores, como o projeto que concede gratuidade nos primeiros 15 minutos de uso de estacionamentos particulares; ou, ainda, os projetos que pretendem regulamentar o comércio de produtos fumígeros ou fármacos, temas de competência federal.
Outras proposições dos vereadores são absolutamente irrelevantes, como o projeto que propõe a criação de vagas permitindo o estacionamento de veículos por até 15 minutos, com pisca-alerta ligado, na frente de bancas de revistas da cidade; ou o que “dispõe sobre a higienização das cadeirinhas de bebê fixadas em carrinhos de supermercado”.
Proporcionalmente, a campeã de projetos desnecessários é a Assembleia Legislativa do Paraná, com 65% de projetos com essas características. Trami­­tam na Casa, por exemplo, projetos que tentam regular o comércio de gás de cozinha e de combustíveis no estado – o que já é feito pela União e pela Agên­­cia Nacional do Petróleo (ANP) – ou um projeto que busca proibir a cobrança pela emissão de carnê ou boleto bancário, prática já vedada com base do CDC e em resolução do Banco Central. Dentre as propostas que efetivamente beneficiam o consumidor paranaense estão a que amplia os postos de atendimento do Procon no estado e a que institui a política pública estadual de consumo consciente.
Repetições
Já na Câmara dos Deputados, mais de 30 projetos legislam sobre um mesmo tema. Dentre elas, ao menos seis propostas criam normas que obrigam fabricantes e importadores a assegurar a oferta de componentes e peças de reposição de veículos. Essa obrigação, entretanto, já é expressa pelo Artigo 32 do CDC, que se aplica a todo e qualquer produto. Outras propostas buscam proibir que o fornecedor obrigue o consumidor a assinar contratos em branco ou determinar que “toda correspondência enviada ao consumidor informe o número do CEP do fornecedor”.
Dentre as propostas federais que, se aprovadas, contribuem em benefício ao consumidor estão a que disciplina a aplicação de multa às construtoras e incorporadoras por atraso na entrega do imóvel e a que dispõe sobre a inclusão de noções de direitos do consumidor na grade curricular dos ensinos fundamental e médio das escolas públicas e privadas em todo o país.


Credibilidade de políticos sai prejudicada

A falta de qualidade na produção dos Legislativos municipal, estadual e federal extrapola a área do Direito do Consumidor e coloca em risco a credibilidade de um poder essencial para o funcionamento da democracia, afirma Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, que fiscaliza a atuação dos parlamentares. Para ele, o despreparo dos parlamentares traz um risco que vai além do já grave descumprimento do papel institucional de criar leis que favoreçam o cidadão.
“Na prática, isso aprofunda a irrelevância do Legislativo. No Brasil, as pessoas não têm dúvida de que o poder reside no Executivo. Ao mesmo tempo, a população não a menor noção do papel do Legislativo, que é essencialmente o de fiscalizar o Executivo e legislar”, assinala.
Para Abramo, a falta de relevância e qualidade na atuação parlamentar é resultado direto da falta de fiscalização do próprio eleitor. “Eles querem jogar para a plateia para dar a entender que ‘têm a paternidade’ dos projetos e faturar politicamente com isso. O pior é que, muitas vezes, essas propostas são aprovadas com a perfeita consciência de que aquilo é descabido ou inconstitucional”, avalia.
A coordenadora do Procon-PR, Claudia Silvano, aponta a repetição das propostas apresentadas como um fato intrigante. “Parece que não há uma pesquisa criteriosa sobre a competência de cada uma das Casas. A repetição é uma realidade. Será que os legisladores não veem o que já existe quando sugerem uma proposta?”, questiona. “Uma simples pesquisa no Google já eliminaria mais da metade desse tipo de situação”, completa.
A coordenadora conta que, frequentemente,o Procon-PR recebe projetos de lei para dar um parecer antes de sua apresentação, e que é grande o número de projetos desnecessários ou inconstitucionais.
“A primeira coisa a fazer é ver se já existe alguma lei nesse sentido. A repetição é ruim e faz com que o cidadão fique cada vez mais confuso e não seja atendido como realmente deve ser”, avalia.
A coordenadora do Procon-PR, Claudia Silvano, aponta a repetição das propostas apresentadas como um fato intrigante. “Parece que não há uma pesquisa criteriosa sobre a competência de cada uma das Casas. A repetição é uma realidade. Será que os legisladores não veem o que já existe quando sugerem uma proposta?”, questiona. “Uma simples pesquisa no Google já eliminaria mais da metade desse tipo de situação”, completa.
A coordenadora conta que, frequentemente,o Procon-PR recebe projetos de lei para dar um parecer antes de sua apresentação, e que é grande o número de projetos desnecessários ou inconstitucionais.
“A primeira coisa a fazer é ver se já existe alguma lei nesse sentido. A repetição é ruim e faz com que o cidadão fique cada vez mais confuso e não seja atendido como realmente deve ser”, avalia.
Claudia lembra que os projetos desnecessários acabam sobrecarregando o processo legislativo, impedindo que projetos importantes sejam discutidos e votados. “A pergunta que deveria ser feita é: como uma casa legislativa se presta a esse tipo de coisa? A resposta é: eles agem concretamente como se não devessem explicações ao eleitor. Fazem isso porque não são fiscalizados ou cobrados”, encerra Abramo.


O Judiciário em novo momento

Se por um lado a disposição do presidente do Supremo em propor uma nova lei sobre as regalias da magistratura deve ser saudada como positiva, permanece a preocupação com as ações para reduzir os poderes do CNJ. Se isso efetivamente ocorrer, será um lamentável retrocesso na busca por uma Justiça que atue com mais presteza e transparência, em consonância com os anseios da nação
Não paira qualquer dúvida de que o Judiciário brasileiro experimenta desde os últimos meses de 2011 a mais grave crise de sua história, consequência fundamentalmente do corporativismo que se cristalizou na instituição. Com problemas internos profundos – falta de celeridade processual e a defesa de privilégios, para citar dois deles – a Justiça do Brasil parece não querer partilhar da necessidade que tem o país de passar a limpo as suas instituições públicas, de modo a adequá-las às atuais e reais necessidades da sociedade. A manifesta insatisfação de entidades representativas dos juízes com a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que consideram estar extrapolando seus poderes de fiscalização, é um exemplo da falta de sintonia com a realidade.
Desde que a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, falou sem meias palavras da existência de bandidos de toga, os ânimos se acirraram, elevando a temperatura das discussões em torno da atuação e dos limites do CNJ. As investigações do conselho para apurar suspeitas de enriquecimento ilícito de magistrados e a concessão de benesses indevidas por tribunais colocaram, então, definitivamente em rota de colisão Judiciário e CNJ.
Pelo papel fundamental que desempenha na sociedade como um dos pilares da democracia, o Judiciário precisa superar o momento difícil que vive, deixando de lado posições anacrônicas que ainda subsistem em sua estrutura. Tanto isso é verdade que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, anunciou dias atrás que irá enviar ao Congresso a proposta de uma nova Lei Orgânica da Magistratura. Muito embora o texto não esteja concluído, já se sabe que os juízes perderão, se aprovado, alguns benefícios e regalias considerados indefensáveis até mesmo por setores do próprio Poder. A intenção de Peluso, conforme o que foi noticiado, é dar andamento à matéria até o mês de abril próximo, quando vencerá seu mandato à frente do STF.
Se por um lado a disposição do presidente do Supremo em propor uma nova lei sobre as regalias da magistratura deve ser saudada como positiva, permanece a preocupação com as ações para reduzir os poderes do CNJ. Se isso efetivamente ocorrer, será um lamentável retrocesso na busca por uma Justiça que atue com mais presteza e transparência, em consonância com os anseios da nação.
Assim sendo, em 2012, o grande teste que terá pela frente o Judiciário será o julgamento no STF do mensalão, um escandaloso estelionato político urdido no primeiro governo do ex-presidente Lula. Em troca da garantia de apoio político no Congresso ao incipiente governo lulista, parlamentares da base recebiam um quinhão mensal. A “quadrilha”, como bem definiu o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em seu libelo, era integrada por líderes petistas, a começar do ex-ministro José Dirceu, apontado como o mentor do golpe, parlamentares de diversos partidos, publicitários e banqueiros. No total, 38 são os acusados que sentarão no banco dos réus.
O ministro Joaquim Barbosa já concluiu o seu relatório condensando em 122 páginas nada menos que 233 volumes e 495 apensos que compõem o processo, totalizando 49.914 páginas. O documento e todos os autos do processo foram agora encaminhados ao ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, que também irá formular seu relatório e voto. A partir daí, caberá ao presidente do STF marcar a data do julgamento em plenário, o que deve ocorrer até maio. Nas palavras do ministro Barbosa, o mensalão representa “uma ação de natureza penal de dimensões inéditas na história desta Corte” [O Supremo Tribunal Federal], o que por si só dispensa outros comentários sobre sua magnitude. Julgar a tempo para evitar a prescrição das penas e punir exemplarmente os mensaleiros que impingiram ao país a maior tramoia política da história é o que a sociedade brasileira espera. Varrer da vida pública os envolvidos no caso pode representar o divisor de águas entre a impunidade recorrente nos crimes cometidos por maus gestores e um novo patamar ético para a administração pública brasileira.

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1212985&tit=O-Judiciario-em-novo-momento. Acesso em: 15 jan. 2012.


Os limites constitucionais das resoluções do CNJ e do CNMP

Os Conselhos Nacionais da Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) foram introduzidos pela Emenda Constitucional n. 45/04, representando uma espécie de carro-chefe da assim denominada Reforma do Judiciário. Trata-se da implementação, stricto sensu, de controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público. O CNJ está especificado no artigo 103-B da Constituição (1), em que, exaustivamente, estão elencadas as atribuições do órgão. Já o Conselho Nacional do Ministério Público está regulado no art. 130-A(2), seguindo, no seu núcleo essencial, as diretivas fixadas para o seu congênere CNJ. Criam-se, assim, dois importantes órgãos que aproximam – estrutural e organicamente - as instituições (Magistratura e Ministério Público), como ocorre já de há muito em alguns países da Europa.
A constitucionalidade lato sensu de ambos os Conselhos já foi afirmada pelo Supremo Tribunal Federal. A discussão que se põe agora é: quais os limites desses “atos regulamentares”? São “regulamentos autônomos”? Têm eles “força de lei”? (Grifos Nossos).  Eis a controvérsia, que deve ser enfrentada independentemente do conteúdo (certamente meritório) das resoluções, a partir da ponderação entre fins e meios.
O cerne da discussão está no parágrafo 4º e inciso I do art. 103-B e no parágrafo 2º e inciso I do art. 130-A: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA §4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; CONSELHO NACIONAL DO MINISTERIO PÚBLICO §2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe: I – zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências. Tendo a mesma ratio, as diretrizes que norteiam ambos os Conselhos são idênticas, registrando-se apenas a especificidade constante no Conselho Nacional de Justiça, que estabelece a competência de zelar pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, enquanto no caso do Conselho Nacional do Ministério Público essa questão não está explicitamente estabelecida. Essa sutil diferença – cujas conseqüências, poderão ter reflexos em outros campos – não significa que haja tratamento diferenciado do constituinte derivado no que diz respeito à legitimidade de “legislar” por parte dos dois Conselhos, notadamente quando em causa restrições a direitos e garantias constitucionais, inclusive e notadamente – e isto sempre foi muito caro para ambas as Instituições (Poder Judiciário e Ministério Público) – as garantias funcionais e institucionais. Daí a necessária discussão acerca dos limites para a expedição de “atos regulamentares” (esta é a expressão constante na Constituição para os dois Conselhos). Com efeito, parece um equívoco admitir que os Conselhos possam, mediante a expedição de atos regulamentares (na especificidade, resoluções), substituir-se à vontade geral (Poder Legislativo) e tampouco ao próprio Poder Judiciário, com a expedição, por exemplo, de “medidas cautelares/liminares”. Dito de outro modo, a leitura do texto constitucional não dá azo a tese de que o constituinte derivado tenha “delegado” aos referidos Conselhos o poder de romper com o princípio da reserva de lei e de reserva de jurisdição.
Como se sabe, o que distingue o conceito de lei do de outros atos é a sua estrutura e a sua função. Leis têm caráter geral, porque regulam situações em abstrato; atos regulamentares (resoluções, decretos, etc) destinam-se a concreções e individualizações. Uma resolução não pode estar na mesma hierarquia de uma lei, pela simples razão de que a lei emana do poder legislativo, essência da democracia representativa, enquanto os atos regulamentares ficam restritos à matérias com menor amplitude normativa. Este parece ser o ponto central da discussão. Se a atuação dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público está regulada em leis específicas (LOMAN, LOMIN’s estadual e federal, postas no sistema em estrita obediência à Constituição), parece, de pronto, inconcebível que o constituinte derivado, ao aprovar a Reforma do Judiciário, tenha transformado os Conselhos em órgãos com poder equiparado aos do legislador. Ou seja, a menção ao poder de expedir “atos regulamentares” tem o objetivo específico de controle externo, a partir de situações concretas que surjam no exercício das atividades de judicatura e de Ministério Público. Aliás, não se pode esquecer que é exatamente o controle externo que se constituiu na ratio essendi da criação de ambos os Conselhos.
No Estado Democrático de Direito, é inconcebível permitir-se a um órgão administrativo expedir atos (resoluções, decretos, portarias, etc) com força de lei, cujos reflexos possam avançar sobre direitos fundamentais, circunstância que faz com que tais atos sejam ao mesmo tempo legislativos e executivos, isto é, como bem lembra Canotilho, a um só tempo “leis e execução de leis”. Trata-se – e a lembrança vem de Canotilho – de atos que foram designados por Carl Schmitt com o nome de “medidas”. Essa distinção de Schmitt é sufragada por Forsthoff, que, levando em conta as transformações sociais e políticas ocorridas depois de primeira guerra, considerava inevitável a adoção, por parte do legislador, de medidas legais destinadas a resolver problemas concretos, econômicos e sociais. Daí a distinção entre leis-norma e leis de medida. Na verdade, as leis-medida se caracterizam como leis concretas. A base da distinção nas leis concretas não é a contraposição entre geral-individual, mas entre abstrato-concreto (K.Stern). O interesse estará em saber se uma lei pretende regular em abstrato determinados fatos ou se se destina especialmente a certos fatos ou situações concretas. Também aqui a consideração fundamental radicaria no fato de uma lei poder ser geral, mas pensada em face de determinado pressuposto fático que acabaria por lhe conferir uma dimensão individual, porventura inconstitucional(3).
O fato de a EC 45 estabelecer que os Conselhos podem editar atos regulamentares não pode significar que estes tenham carta branca para tais regulamentações. Os Conselhos enfrentam, pois, duas limitações: uma, stricto sensu, pela qual não podem expedir regulamentos com caráter geral e abstrato, em face da reserva de lei; outra, lato sensu, que diz respeito a impossibilidade de ingerência nos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Presente, aqui, a cláusula de proibição de restrição a direitos e garantias fundamentais, que se sustenta na reserva de lei, também garantia constitucional. Em outras palavras, não se concebe - e é nesse sentido a lição do direito alemão - regulamentos de substituição de leis (gesetzvertretende Rechtsverordnungen) e nem regulamentos de alteração das leis (gesetzändernde Rechtsverordnungen). É neste sentido que se fala, com razão, de uma evolução do princípio da reserva legal para o de reserva parlamentar(4). Tratando-se, desse modo, de atos de fiscalização administrativa, estes apenas podem dizer respeito à situações concretas.
Neste caso, deverão observar, em cada caso, o respeito aos princípios constitucionais, em especial, o da proporcionalidade, garantia fundamental do cidadão enquanto asseguradora do uso de meios adequados pelo poder público para a consecução das finalidades (previstas, como matriz máxima, na Constituição). Há, assim, uma nítida distinção entre a matéria reservada à lei (geral e abstrata) e aos atos regulamentares. A primeira diz respeito a previsão de comportamentos futuros; no segundo caso, dizem respeito as diversas situações que surjam da atividade concreta dos juízes e membros do Ministério Público, que é, aliás, o que se denomina – e essa é a especificidade dos Conselhos – de “controle externo”.
Não se pode olvidar outro ponto de fundamental importância. A Constituição do Brasil estabelece no artigo 84, IV, in fine, o poder regulamentar do Chefe do Poder Executivo, podendo expedir decretos e regulamentos para o fiel cumprimento das leis, tudo sob o controle e a vigilância do Poder Legislativo em caso de excesso (art. 49,V) e da jurisdição constitucional nas demais hipóteses. Nesse sentido, fica claro que as exceções para a edição de atos normativos com força de lei (art. 62) e da possibilidade de delegação legislativa (art. 68) tão-somente confirmam a regra de que a criação de direitos e obrigações exige lei ou ato com força de lei, conforme se pode verificar na própria jurisprudência do STF (AgRg n. 1470-7).(5) E mesmo a lei (stricto sensu) possui limites. É o que se chama de “limites dos limites” (Schranken-Schranken), como bem lembra Gilmar Ferreira Mendes, ao assinalar que da análise dos direitos fundamentais é possível extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes, garantias são passíveis de ilimitada limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes, que balizam a ação do legislador quando restringe direitos fundamentais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial (Wesengehalt) do direito fundamental, quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas. (6)
De frisar, por outro lado, que esse poder regulamentar conferido ao Poder Executivo (e não, por exemplo, ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público) advém da relevante circunstância representada pela legitimidade do Presidente da República, eleito diretamente em um regime presidencialista (em países sob regime parlamentarista, essa legitimidade é do Governo, confundindo-se o poder executivo com o legislativo). Mas, mesmo assim, esse poder regulamentar – tanto no presidencialismo como no parlamentarismo - não pode criar direitos e obrigações (7). Não é demais lembrar, neste ponto, o âmbito próprio do respeito aos direitos fundamentais, característica básica do paradigma do Estado Democrático de Direito. Portanto, as resoluções que podem ser expedidas pelos aludidos Conselhos não podem criar direitos e obrigações e tampouco imiscuir-se (especialmente no que tange à restrições) na esfera dos direitos e garantias individuais ou coletivas. O poder “regulamentador” dos Conselhos esbarra, assim, na impossibilidade de inovar.
As garantias, os deveres e as vedações dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público estão devidamente explicitados no texto constitucional e nas respectivas leis orgânicas. Qualquer resolução que signifique inovação será, pois, inconstitucional. E não se diga que o poder regulamentar (transformado em “poder de legislar”) advém da própria EC 45. Fosse correto este argumento, bastaria elaborar uma emenda constitucional para “delegar” a qualquer órgão (e não somente ao CNJ e CNMP) o poder de “legislar” por regulamentos. E com isto restariam fragilizados inúmeros princípios que conformam o Estado Democrático de Direito.
Por derradeiro: regulamentar é diferente de restringir. De outra parte, assim como já se tem a sindicabilidade até mesmo em controle abstrato de atos normativos de outros poderes (leis em sentido material) (8), como os regimentos internos dos tribunais, provimentos de Corregedorias, etc, muito mais será caso de controle de constitucionalidade a hipótese de os Conselhos virem a expedir resoluções restringindo direitos e garantias pessoais, funcionais e institucionais (9).
Muito mais do que uma mera e egoística disputa por prerrogativas – como habitualmente acabam sendo qualificadas, em terrae brasilis, tentativas legítimas e democráticas de impugnação de uma série de medidas e reformas – está em causa, aqui, a defesa enfática e necessária dos elementos essenciais do nosso Estado Democrático de Direito, que, por certo, não há de ser um Estado governado por atos regulamentares, decretos e resoluções

by Lenio Luiz Streck, Ingo Wolfgang Sarlet e Clemerson Merlin Clève

Disponível em: http://www.abdconst.com.br/publicacoes_artigos_mostra.php?id=5
. Acesso em: 15 jan. 2012.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Câmara escura

'A credibilidade do Judiciário depende não só da boa fé dos juízes, mas da imagem que passa', diz Hubner Mendes.

Num programa de TV em 1977, o obcecado Nelson Rodrigues, que faria 100 anos neste 2012, atendendo ao pedido do entrevistador e amigo Otto Lara Rezende, sapecou um conselho aos jovens que se tornaria lendário: "Envelheçam depressa! Envelheçam com urgência!", ele disse, com cara de súplica. O jurista paulistano Conrado Hubner Mendes nasceu naquele ano. Aos 34, portanto, está distante da velhice. Mas se Nelson o tivesse ouvido falar ou lido seus escritos talvez a blague fosse outra.

A corregedora Eliana Calmon negou que o CNJ tenha quebrado sigilos de juízes - Wilson Pedrosa/AE
Wilson Pedrosa/AE
A corregedora Eliana Calmon negou que o CNJ tenha quebrado sigilos de juízes


Com um doutorado em ciência política pela USP e outro em filosofia do direito pela Universidade de Edimburgo (Escócia), Mendes analisa as questões jurídicas brasileiras com solidez e clareza incomuns na sua idade e no seu meio, chegado a um vernáculo castiço. E também, por que não?, com certa intrepidez de alma juvenil. "Por trás de um juiz corrupto há, frequentemente, um advogado corrupto" e "O que explica os privilégios da magistratura, vamos ser sinceros, é o grande poder dessa carreira em se articular na defesa de seus interesses" são amostras da detida reflexão que ele faz sobre o embate que se instalou no Judiciário depois que a corregedora nacional de justiça, Eliana Calmon, afirmou que por aqui circulam "bandidos escondidos atrás da toga".
Falando de Berlim, onde complementa sua pesquisa sobre o papel de cortes constitucionais em regimes democráticos, Mendes defendeu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão fiscalizador de desvios de conduta de juízes e desembargadores e criticou as liminares do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenderam momentaneamente as investigações. "Não estamos falando de controlar o mérito das decisões que cada juiz toma, para as quais sempre existiu um sistema de recursos, mas de investigar atos de corrupção e má gestão administrativa que o modelo de controle baseado exclusivamente nas corregedorias estaduais não conseguiu dar conta", afirmou. "A pretexto de corrigir abusos do CNJ, o STF pode desmontar a espinha dorsal de todo um modelo de controle pensado pelo constituinte." A seguir, as palavras do jovem jurista que não tem pressa - ou necessidade - de envelhecer.
Tem-se usado a expressão 'crise do Judiciário' para definir o atual embate entre o CNJ e magistrados contrários a investigações da classe. Existe, de fato, uma crise no Judiciário brasileiro?
Existe um conflito bastante delicado, que não é novo, sobre como controlar a atuação dos juízes. E esse conflito atingiu seu ápice neste momento em que o STF começa a restringir excessivamente os poderes do CNJ com base em interpretações bastante problemáticas sobre o significado prático de independência judicial, definido genericamente pela Constituição. Dessa maneira, aos poucos, a credibilidade do Judiciário em geral, e do STF em particular, que já não eram muito altas, passa a ser mais seriamente atingida.
Há algum risco institucional nessa 'crise'?
Há um lugar-comum que diz que situações de crise apresentam não somente riscos de retrocesso, mas também oportunidades de aperfeiçoamento. Temos que aprofundar um pouco esse lugar-comum. Para evitar o retrocesso e facilitar o aperfeiçoamento é necessário ter cuidado com a maneira pela qual percebemos essa "crise" e formulamos o diagnóstico. Falar do Judiciário em abstrato, como um todo orgânico e homogêneo, não ajuda a entender a natureza do que está ocorrendo. O Judiciário brasileiro vem, aos poucos, tornando-se um poder razoavelmente plural. Há variações não desprezíveis entre o que pensam juízes de diferentes instâncias, regiões, gêneros, idades ou origens socioeconômicas. Essa pluralidade traz consigo disputas ideológicas internas, controvérsias sobre o papel do juiz, sobre métodos de interpretação do direito e assim por diante. A tentação de descrever o atual contexto como um conflito que opõe o Judiciário de um lado e a sociedade de outro leva a conclusões distorcidas. Há forças modernizantes e atrasadas dentro e fora do Judiciário, e temos que mapear adequadamente essas divisões para poder jogar do lado certo desse conflito político.
Qual é o lado certo?
Bom, considero que a posição moral e juridicamente mais defensável seja a de aceitar as competências que o constituinte conferiu ao CNJ. Não porque o constituinte possa decidir o que bem entenda e o STF deva abaixar a cabeça, mas porque, nesse caso, a violação constitucional está longe de ser incontroversa. O STF não tem o monopólio do significado da Constituição. Ele tem, sim, o poder de dar a decisão final numa ação judicial específica. Se essa decisão for implausível, contudo, cabe à sociedade se mobilizar e propor novas ações.
O Judiciário precisa de controle externo?
É um equívoco chamar o CNJ de "controle externo". O art. 92 da Constituição inclui, entre os órgãos do Poder Judiciário, o CNJ. O CNJ, então, integra a estrutura do Judiciário. Mais importante, o art. 103-B especifica quais são os 15 membros do CNJ: 9 membros são juízes, 2 são do Ministério Público, 2 são advogados indicados pela OAB e os 2 restantes são cidadãos de "notável saber jurídico" indicados pelo Congresso Nacional. Portanto, numa leitura bem simplista, são nove do próprio Judiciário contra seis "de fora". No entanto, veja quem são esses seis supostamente de fora: todos membros da mesma comunidade jurídica, portadores do diploma de direito, educados sob os mesmos ritos e convenções. Não se trata de um órgão lá muito plural. Chamar o CNJ de "controle externo" dá a chance de juízes atacarem esse órgão sob o pretexto de que haveria ameaça à independência judicial. Não deveríamos aceitar a discussão nesses termos. O que há é um embate entre dois modelos de controle: um mais centralizado, no qual o CNJ teria mais poder para intervir nas corregedorias estaduais, e outro mais regionalizado, no qual o CNJ teria um papel subsidiário. Na minha opinião, o modelo mais centralizado faz muito sentido no contexto brasileiro. Ele aplicaria de maneira mais plausível o princípio geral de desenho institucional segundo o qual "ninguém deve julgar em sua própria causa", ou seja, os controladores não deveriam ser os mesmos que os controlados. Mas, é claro, ele desestabiliza muitas práticas ossificadas e por isso sofre ataques.
O CNJ extrapola suas funções, como acusam algumas entidades de juízes?
O modelo de controle que tem o CNJ como peça central não está inteiramente pronto e consolidado, mas em processo de construção. É ao STF, na interação com o CNJ, que cabe definir os limites de atuação desse órgão. Sempre haverá uma ou outra decisão do CNJ da qual discordaremos, mas não me parece haver qualquer evidência, até agora, de que ele esteja agindo de maneira abusiva. Eventuais desvios do CNJ devem ser corrigidos pelo STF. Por essa mesma razão, é ainda mais importante ficarmos atentos às decisões do STF. Afinal, a pretexto de corrigir abusos do CNJ, o STF pode desmontar a espinha dorsal de todo um modelo de controle pensado pelo constituinte.
Como você avalia as liminares dos ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, do STF, suspendendo as investigações do CNJ?
Uma liminar serve para garantir que, antes de uma decisão de mérito, certos direitos não sejam irreversivelmente violados. O STF postergou, por meses, uma decisão da maior urgência . De repente, no último dia antes do recesso judicial, produz duas liminares profundamente interventivas que sobreviverão, pelo menos, até o reinício do ano judicial. O tamanho do dano que essas liminares causarão vai depender de quando o plenário vai se reunir para, finalmente, decidir a controvérsia. O fato de as liminares suspenderem as investigações por algumas semanas me preocupa menos do que a clara tendência de essas liminares defenderem, no mérito, uma visão bastante restritiva sobre o CNJ. Se essas visões prevalecerem, ou se o colegiado demorar muito para finalmente produzir uma decisão, aí sim o problema se agrava. Se o STF ratificar o entendimento das liminares numa decisão final, rejeitará um entendimento do constituinte que é plenamente compatível com a Constituição. Se permanecer em silêncio por muito tempo, como faz em tantos casos, na prática essas liminares passam a definir os limites do CNJ. Como o STF não segue nenhuma regra explícita sobre o momento de suas decisões, exceto seu próprio instinto político, não temos como saber quando essa decisão virá.
De modo geral, os ministros argumentaram que as liminares foram necessárias para preservar a Constituição. Faz sentido?
Isso revela um traço bastante presente no estilo de argumentação do STF. De premissas genéricas e abstratas, das quais dificilmente alguém vai discordar (tais como a independência e autonomia entre poderes, a dignidade humana, etc.), infere-se abruptamente uma solução para o caso concreto. A complexidade desse caso concreto, porém, exigiria muitos outros passos argumentativos entre as premissas e as conclusões. A liminar do ministro Marco Aurélio é um bom exemplo. Ela se inspira numa decisão anterior do ministro Celso de Mello, no qual este diz que o CNJ deve obedecer, nas suas palavras, ao "postulado da subsidiariedade", sem o qual haveria uma "tensão dialética" que comprometeria o "harmonioso convívio entre o autogoverno da magistratura e o poder de controle e fiscalização outorgado ao Conselho Nacional de Justiça". A ideia de subsidiariedade do CNJ não foi estabelecida pela Constituição, e não é nada óbvio que a independência judicial requeira uma atuação meramente subsidiária do CNJ. É essa interpretação que está em disputa, mas os argumentos que até agora foram postos na mesa pelo STF não fazem muito mais do que repetir generalidades do texto constitucional e dali extraírem automaticamente suas conclusões. Dialogar com esse estilo de decisão fica difícil.
O presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, acusou o CNJ de desrespeitar as garantias dos magistrados e comparou a ação do órgão aos 'tempos da ditadura'. O que o você acha?
É uma comparação lamentável, que revela alguns dos piores vícios da retórica política. As garantias dos magistrados são indispensáveis para o bom funcionamento do Estado de Direito, mas elas não servem para blindar os magistrados de qualquer investigação sobre desvio de conduta. Não estamos falando de controlar o mérito das decisões que cada juiz toma, para as quais sempre existiu um sistema de recursos, mas de investigar atos de corrupção e má gestão administrativa que o modelo de controle baseado nas corregedorias estaduais não conseguiu dar conta. Claro que investigações devem respeitar os requisitos legais e proteger a imagem e a honra do juiz enquanto nada for provado, mas daí a dizer que a atuação do CNJ lembra a ditadura existe uma grande distância.
E quanto à defesa que Sartori fez dos dois meses de férias para a magistratura, afirmando que se trata de 'preservar a sanidade mental' dos juízes?
Uma declaração infeliz e surpreendente. Em geral, a falta de bons argumentos para sustentar esse privilégio em relação a outras carreiras públicas é tão patente que juízes preferem permanecer em silêncio sobre ele, e agir apenas nos bastidores para que tal situação seja mantida. Uma forma comum de a magistratura defender seu pacote de privilégios é dizer que a função da judicatura demanda grande responsabilidade, dedicação e estudo, e que para tanto a sociedade deveria pagar o preço adequado. Uma segunda forma, ligada à primeira, é dizer que juízes precisam de incentivos econômicos para seguir a carreira em vez de se dedicar a profissões supostamente mais rentáveis como a advocacia privada, ou então para não serem tentados pela corrupção. Sobre o primeiro argumento, eu perguntaria por que a responsabilidade, dedicação e estudo de tantas outras profissões públicas, como as de médico ou professor, seriam menores (e, supondo que fossem, por que seriam tão desproporcionalmente menores). O segundo argumento, por sua vez, faz diversas suposições difíceis de aceitar: presume que a vocação para a profissão cumpre um papel menor, que a advocacia é sempre mais rentável, que salários altos minimizariam a corrupção. Essas premissas, mesmo que sejam plausíveis até certo ponto, não conseguem sustentar a imensa desproporção dos benefícios entre essa carreira pública específica e tantas outras. O que explica esse descompasso, vamos ser sinceros, é o grande poder dessa profissão em se articular na defesa de seus interesses.
A impunidade no Judiciário é maior do que nos outros poderes?
É difícil aferir e comparar os graus de impunidade. Provavelmente, o Judiciário é o poder que permanece mais obscuro. Mas não podemos deixar de lembrar outras coisas. Está em jogo o aperfeiçoamento do Estado de Direito como um todo, e para isso precisamos estar mais atentos ao comportamento dos seus dois principais operadores: não somente do juiz, mas também do advogado. Por trás de um juiz corrupto há, frequentemente, um advogado corrupto. E a corrupção pode ter níveis de gravidade diferentes, alguns não punidos pela lei. Há alguns hábitos da interação entre advogados e juízes que são vistos como normais, mas que muitas vezes são modalidades sutis de patrimonialismo, de confusão da coisa pública com o interesse privado.
A proposta da corregedora Eliana Calmon de proibir que integrantes do Judiciário usem transporte ou hospedagem pagos por pessoas físicas ou empresas em eventos da classe tem relação com essas 'modalidades sutis de patrimonialismo'?
Aparentemente, sim. Não conheço essa proposta no detalhe, e por isso fica difícil formar uma opinião a respeito. No entanto, ela parece tentar regular exatamente algumas dessas interações entre juízes e a sociedade em geral que ainda não são vistas como um problema. Ela parece tentar estabelecer uma noção mais forte de "conflito de interesses", que os institutos da suspeição e do impedimento, na prática, têm se mostrado incapazes de implementar. É preocupante que uma empresa privada financie um congresso de juízes num resort turístico, ou que um juiz se sinta absolutamente à vontade para aceitar o convite que uma entidade de advogados faz para que ele participe de um jantar em sua própria homenagem, ou coisas assim. Não basta que juízes digam que, na hora de julgar, a sua imparcialidade permanece intocada. Eu acredito que a maioria dos juízes, de boa fé, de fato decida de forma indiferente a esses mimos, apesar de ser difícil controlar essa imparcialidade de forma consciente. Seja como for, a credibilidade da instituição judicial depende não somente da boa fé dos juízes, mas da imagem que a instituição passa. E essas práticas só prejudicam tal imagem. Parafraseando aquela máxima sobre a mulher de César, não basta que o juiz seja honesto, mas que pareça honesto.
O Judiciário brasileiro é democrático?
Há vários ângulos pelos quais se pode mensurar a qualidade democrática do Poder Judiciário. Quatro ângulos são da maior importância: primeiro, quão plural é sua composição; segundo, quão acessível ele é para os diversos estratos sociais; terceiro, quanto é transparente e aberto ao diálogo; quarto, quanto suas decisões reforçam ou confirmam valores democráticos. Esse último ângulo é o mais difícil e trabalhoso de quantificar, pois em última análise requer que avaliemos quanto o Judiciário interpreta adequadamente a Constituição e a lei nas suas decisões cotidianas. Nisso eu prefiro não entrar aqui. Os dois primeiros ângulos, por sua vez, já têm sido quantificados pela ciência política: quanto a sua composição, o Judiciário tem se tornado mais plural (em termos de gênero, origem socioeconômica, etc.) no que diz respeito à primeira instância, na qual se entra por concurso público, mas a pluralidade decai significativamente quando se trata de promoção para instâncias superiores, que depende de processos internos ou nomeações do chefe do Executivo; quanto ao acesso de grupos sociais menos favorecidos, há vários avanços importantes que a criação dos juizados especiais e da defensoria pública, entre outras medidas inclusivas, tem ajudado a construir, mas há ainda obstáculos e práticas excludentes. Por fim, a transparência é também complexa e pode ser vista de dois modos: a transparência na gestão de seus recursos, que é exatamente a luta que o CNJ agora enfrenta; e a transparência argumentativa de suas decisões. Em resumo, acho que hoje temos um Judiciário um pouco mais democrático do que há 10 ou 15 anos, mas com um caminho bastante longo a percorrer.

 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

'Here, There and Everywhere': Human Dignity in Contemporary Law and in the Transnational Discourse - Dr. Luís Roberto Barroso

"Meu trabalho sobre dignidade da pessoa humana, ainda na versão em inglês, já está acessível online, na página do Social Science Research Network. Foi o texto que escrevi durante meu período como Visiting Scholar em Harvard, no primeiro semestre deste ano. A versão impressa sairá no primeiro semestre do ano que vem, no Boston College International and Comparative Law Review. Estou trabalhando na tradução para o português. Quem tiver interesse na versão em inglês, basta clicar no link abaixo. Quando entrar a página com o meu artigo, clique One Click Download para baixar o texto."

Um ano para não esquecer

Direito Constitucional e Supremo Tribunal Federal

Retrospectiva 2011 segundo Dr. Luís Roberto Barroso

"Escrevi uma retrospectiva sobre o Supremo Tribunal Federal e o direito constitucional em 2011, em duas partes. A Parte I foi elaborada em co-autoria com Eduardo Mendonça, que é doutorando da UERJ, sob minha orientação. Esta parte foi publicada na Revista Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br/2012-jan-03/retrospectiva-2011-stf-foi-permeavel-opiniao-publica-subserviente). A Parte II foi escrita somente por mim e é exclusiva para o blog. Nela procuro narrar, na primeira pessoa, alguns aspectos da minha atuação como advogado, no caso das uniões homoafetivas e Cesare Battisti; minha experiência acadêmica como Visiting Scholar em Harvard, onde escrevi meu trabalho sobre dignidade da pessoa humana, bem como em debates com os Professores Bruce Ackerman, em Yale, e Mark Tushnet, em Harvard; e, por fim, minha participação institucional, ao fazer a conferência de encerramento da XXI Conferência Nacional dos Advogados, em Curitiba. Um ano e tanto!"

Leia na íntegra aqui.

A volta do Maniqueísmo

"Magistratura está intimidada com atuação do CNJ"

De tempos em tempos, o Supremo Tribunal Federal se vê prensado pelo dilema entre a preservação dos valores constitucionais e o clamor público. Este é um desses momentos, afirma o ministro do STF, Marco Aurélio. A ideia de que o país será mais justo dando poderes excepcionais ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não faz parte do credo do ministro. Para ele, "nem no auge do regime de exceção no Brasil ou na União Soviética o Estado institucionalizou a invasão da privacidade do cidadão, como se pretende fazer hoje no país". Marco Aurélio enfatiza que o STF já deixou claro que apenas instâncias judiciais — e jamais órgãos administrativos — podem suspender a privacidade do cidadão, o que foi estabelecido em julgamentos que proibiu o Fisco de quebrar sigilos sem a interveniência do Judiciário.
Em 19 de dezembro, horas depois da última sessão do ano do STF, dedicada à posse da ministra Rosa Maria Weber, o ministro deu liminar para fixar que o Conselho nacional de Justiça só pode processar juízes por desvios ético-disciplinares depois da ação ou em caso de omissão das corregedorias dos tribunais locais. A decisão — incrementada no mesmo dia por outra liminar do ministro Ricardo Lewandowski, também impondo limites à atuação do CNJ — era esperada.
Crítico da atuação “quase que policialesca” do Conselho, como disse em entrevista à revista Consultor Jurídico, Marco Aurélio liberou a ação que contesta os poderes do CNJ para julgamento em Plenário em 5 de setembro e esperou 14 sessões para julgá-lo. Em vão. Marco, então, pôs em prática, como de praxe, uma de suas muitas frases características: “Não peco por ato omissivo”.
De fato, o ministro Marco Aurélio, como todo homem público, está sujeito a críticas, mas omisso ele não é. Da chamada pauta positiva que o Supremo tentou implementar internamente no segundo semestre — que consistia em evitar processos cujas decisões poderiam ser impopulares — às mudanças repentinas na pauta do tribunal que tanto atrapalham os advogados, nada escapou às observações do ministro.
Em uma das últimas sessões do ano passado, por exemplo, o ministro criticou o fato de um recurso com repercussão geral ter sido incluído na pauta na véspera do julgamento, às 23h. Reforçou a necessidade de o Supremo cumprir a pauta e, assim, conferir-lhe credibilidade e ressaltou que se até ele mesmo havia sido pego de surpresa com a inclusão do processo para julgamento, o que dizer do advogado da parte, que muitas vezes sai de outros estados para vir a Brasília para as sessões, cujo trabalho é guiado pela pauta publicada dias antes.
Na semana anterior à que deu a liminar impondo freios ao CNJ, o ministro recebeu a ConJur em seu gabinete para conceder uma entrevista para o Anuário da Justiça Brasil 2012, que será lançado em março. Na entrevista, Marco Aurélio atacou a atuação do CNJ, a banalização no uso de Habeas Corpus que ajuda a aumentar o congestionamento dos tribunais, a decisão do Superior Tribunal de Justiça de não aumentar o número de ministros, a PEC dos Recursos, entre outros temas polêmicos do Judiciário.
Há mais de 20 anos no STF, Marco Aurélio julga e discute com o mesmo entusiasmo de quem acabou de tomar posse. E avisa: “Se aumentar a idade da aposentadoria compulsória para 75 anos, terão que me aguentar por mais cinco anos. E eu espero continuar com o mesmo pique”. Nesta segunda-feira (9/1), o ministro estará no programa Roda Viva, da TV Cultura, a partir das 22h, repassando as críticas ao CNJ feitas no Plenário do Supremo e na entrevista abaixo, à ConJur.
Leia os principais trechos da entrevista.
ConJur — A competência do CNJ para abrir e julgar processos ético-disciplinares contra juízes é concorrente ou subsidiária?
Marco Aurélio A atuação é uma atuação subsidiária. Isso está demonstrado em cláusula da Constituição, no que prevê que, encerrado o processo administrativo no tribunal, que goza de autonomia administrativa e financeira, até um ano após o CNJ pode avocar. E claro que essa previsão pressupõe o início do processo administrativo no Tribunal de Justiça ou no Tribunal Regional Federal. Não dá para atropelar, para criar. Isso não interessa à sociedade brasileira, não é avanço cultural. Eu já disse que hoje a magistratura está realmente intimidada.
ConJur — O senhor acha que os juízes temem o CNJ?
Marco Aurélio Vou contar, apenas para revelar, um exemplo doméstico. Minha família tem base no Rio de Janeiro. Tenho meus irmãos, meus sobrinhos, duas filhas e um único neto no Rio. Minha mulher [desembargadora Sandra De Santis] tem os pais ainda vivos no Rio, tem um irmão que é pai de trigêmeas. Então, eu disse a ela: “Sandra, vamos pelo menos uma vez por mês ao Rio”. Ela disse: “Eu não posso”. Eu perguntei: “Por que você não pode?”. Ela respondeu: “Tenho meus processos”. Aí eu indaguei a ela: “E os meus?”. Resposta que ela me deu: “Você não tem o CNJ no calcanhar”. Se isso ocorre com ela, ocorre com outros juízes. Claro, a responsabilidade dela é maior por ser casada com um ministro do Supremo crítico dessa atuação quase que policialesca do CNJ. Mas o CNJ tem um papel importantíssimo, que é pensar na estruturação do Judiciário, no Judiciário de amanhã. Ele não pode pretender substituir-se a mais de 50 corregedorias. Mesmo porque teria que ser um órgão muito grande — quem sabe até expulsando o Supremo do prédio do próprio Supremo.
ConJur — O senhor critica até mesmo o fato de a sede do CNJ e do Supremo serem no mesmo prédio, não?
Marco Aurélio Sim. Eu estou lutando para ver se um anexo do TSE fica com o CNJ. Estou tentando estimular o presidente do Supremo a conseguir que o anexo onde está a informática, que é um prédio de 4.700 metros quadrados independente, que fica em outro lote, seja destinado ao CNJ. Por quê? Porque o CNJ foi instalado aqui no Supremo e eu acho que é prazeroso para aqueles que o integram dar como o endereço o Supremo Tribunal Federal. E há essa mesclagem que não é boa, inclusive com a expulsão de órgãos administrativos do STF para outros prédios em Brasília, para abrir espaço para o CNJ.
ConJur — A Súmula Vinculante e a Repercussão Geral fizeram cair muito o número de recursos que chegam ao Supremo Tribunal Federal. Mas o volume ainda é enorme para um tribunal cuja missão é guardar a Constituição. São necessários outros filtros?
Marco Aurélio Temos que reconhecer o lado positivo da Repercussão Geral. Nós voltamos a discutir grandes teses em Plenário. Antes se liquidava de forma monocrática. E com o verbete ou a Repercussão Geral houve a racionalização dos trabalhos, no que se evita a subida de processos versando a mesma matéria. Mas nós continuamos com um número de processos, principalmente de Habeas Corpus, absurdo. Há a necessidade de buscarmos meios para afastar essa avalanche de processos. Eu propus, por exemplo, no campo relativo ao Habeas Corpus, que se editasse um verbete para se dizer o óbvio: Contra decisão do Superior Tribunal de Justiça em Habeas Corpus, cabível, como está na Constituição, é o Recurso Ordinário Constitucional dentro de 15 dias.
ConJur — O Habeas Corpus virou um substituto processual?
Marco Aurélio O que ocorre? A defesa deixa transitar em julgado a decisão do STJ indeferindo a ordem e quando a coisa aperta lá embaixo, no processo crime, vem a qualquer tempo ao Supremo, esvaziando a previsão constitucional de cabimento do Recurso Ordinário, porque o Habeas não está sujeito ao pressuposto da oportunidade. Propus esse verbete há dois anos. Não sei onde está. Não há interesse. E ficamos julgando e julgando... Você comparece à sessão da 1ª Turma e pensa que estão em uma câmara criminal.
ConJur — Os pedidos de Habeas Corpus tomam toda a pauta?
Marco Aurélio Eu liberei no final do ano cerca de 50 Habeas Corpus para julgamento, e não conseguimos julgar todos. Ficaram alguns para 2012. Agora, nós precisamos estabelecer o enxugamento do rol recursal sem a transgressão ao direito de defesa. Não dá para simplesmente se negar jurisdição, porque estaríamos indo contra a cláusula que prevê o acesso ao Judiciário.
ConJur — O senhor considera que há um abuso no manejo de Habeas Corpus? É possível restringir o uso do HC?
Marco Aurélio Não, mas é impressionante a generalização. O Habeas Corpus, de início, deve estar voltado ao afastamento do cerceio ou a ameaça de cerceio à liberdade de ir e vir. Mas hoje se questiona tudo. Não se aguarda, por exemplo, sequer a tramitação da ação. Não se aguarda, por exemplo, o julgamento de um recurso de apelação na corte revisional. Impetra-se um Habeas Corpus junto à corte de origem. Indeferida a ordem ou indeferida a liminar, se entra com outro Habeas Corpus no STJ. Indeferida a ordem ou indeferida a liminar, se entra no Supremo. Como se o Habeas Corpus fosse um atalho para se chegar a certo resultado. E não é! Você barateia, para utilizar uma expressão do ministro Francisco Rezek, uma ação nobre.
ConJur — O senhor considera que há um abuso no manejo de Habeas Corpus? É possível restringir o uso do HC?
Marco Aurélio E isso faz com que, ante a carga invencível dos órgãos judicantes, os juízes não dêem a atenção que deveriam dar a essa ação nobre. Basta considerar o que se tem como padrão de decisão em termos de indeferimento da liminar no STJ. A fundamentação serve para todo e qualquer processo. Portanto, não é fundamentação.
ConJur — Por conta disso, o senhor propôs o aumento do número de ministros do STJ. Como o senhor recebeu a decisão do tribunal de não aumentar o número de ministros?
Marco Aurélio Era mais do que esperado. É difícil e é ruim que se note isso no Judiciário. É difícil ter pessoas que percebam o interesse primário, que é o interesse dos cidadãos em geral, colocando em segundo plano o poder. O poder é algo que, realmente, as pessoas não pretendem dividir.
ConJur — O senhor acha que a PEC dos Recursos, proposta pelo ministro Cezar Peluso, é uma boa saída para dar efetividade às decisões judiciais?Marco Aurélio Já me manifestei expressamente no sentido de que a PEC subverte o sistema, no que se aponta “uma preclusão maior da decisão de origem”, mesmo que ainda sujeita a recurso. Recurso em uma via afunilada, que é o recurso de natureza extraordinária, para o STJ ou para o Supremo. O presidente [Cezar Peluso] — que primeiro lançou a proposta no Rio de Janeiro, na Fundação Getulio Vargas, para só depois ouvir os integrantes do Supremo — com honestidade intelectual, admitiu que o único que se pronunciou, e se pronunciou de forma contrária à proposta, fui eu. Eu continuo acreditando que nós temos que guardar princípios. E que, no caso, os princípios básicos estão na Constituição Federal.
ConJur — Nos últimos anos o Supremo diminuiu vigorosamente a aprovação de novas súmulas vinculantes. Por quê?
Marco Aurélio Por quê? É difícil saber, não é? Há a comissão de jurisprudência e há a Presidência, com um staff, inclusive com a participação de juízes auxiliares, que podiam se debruçar sobre o tema. Aliás, a Presidência vem reunindo e mandando aos ministros pastas sobre temas já pacificados, mas não se tem partido para edição de verbetes.
ConJur — O Supremo já declarou inconstitucionais, por exemplo, incentivos fiscais que provocam a guerra fiscal. Mas os estados continuam concedendo benefícios. O senhor acha que esse é um caso de Súmula Vinculante?
Marco Aurélio —
A ausência de respeito às decisões do Supremo revela a quadra do nosso Estado, que talvez não seja, como se diz na nomenclatura, um Estado Democrático de Direito. É inconcebível que o Supremo decida, e decida de forma reiterada, e o Poder Público — gênero, estados, municípios ou a União — a decisão. O que nós precisamos no Brasil é de ética. É de homens, principalmente homens públicos, que observem a ordem jurídica constitucional. Eu sempre digo que se paga um preço, e ele é módico, para se viver em uma democracia. E está ao alcance de todos, mas parece que não está ao alcance dos homens públicos, que é o respeito às regras estabelecidas.
ConJur — Como o senhor vê o fato de o Poder Executivo modificar o orçamento que vem do Poder Judiciário antes de enviá-lo ao Congresso Nacional?
Marco Aurélio Um atropelo inconcebível. Quando veio a Constituição de 1988, nós tivemos o primeiro problema. Houve uma reunião do Supremo e o tribunal assentou que os poderes, quanto à confecção do orçamento para submissão a quem de direito, são independentes. Executivo e Judiciário ombreiam. E temos decisões nesse sentido no campo jurisdicional. Eu deferi liminar, inclusive contra ato da governadora do Rio Grande do Sul. Tivemos “n” casos. Mas há essa tendência do estado de querer tutelar o cidadão, o que é péssimo. A liberdade deve ser atônica. Não é? E agora também de o Executivo, em uma hipertrofia imensurável, querer tutelar o Judiciário. O que compete ao Executivo é consolidar as propostas orçamentárias como elas são apresentadas e encaminhar ao Congresso Nacional. O Congresso, sim. O Congresso pode alterar a proposta.
ConJur — O senhor citou o movimento do Estado de querer tutelar os cidadãos, decidir inclusive questões que seriam de foro íntimo, como se os cidadãos fossem todos incapazes. Muitos citam como exemplo desse movimento a própria Lei da Ficha Limpa. Como o senhor vê esse movimento?
Marco Aurélio É ruim. E é ruim porque é progressivo. Eu uma vez disse que a sociedade ,quanto aos representantes que possui, não é vitima. Ela é autora. Nós somos responsáveis pelos eleitos. O Pelé que disse que o brasileiro não sabe votar. Não é que ele não saiba votar, é que ele não percebe o significado do voto, que é uno, mas se soma a tantos outros e implica a escolha do candidato. Então, nós temos situações aí que são situações realmente esdrúxulas. Por exemplo: o parlamentar renuncia antes da instauração de um processo de cassação, depois se candidata e volta à casa legislativa. E fica por isso mesmo. Não há um avanço cultural. Agora, nós precisamos de uma lei, como está na Constituição, que revele as inelegibilidades para se tentar frear. O que se quer é frear a apresentação de pessoas que buscam o cargo não para servirem aos semelhantes, mas para se servirem do próprio cargo.
ConJur — Em um recente julgamento no TSE o senhor voltou a criticar a reeleição, dizendo que o candidato, que não é obrigado a deixar o cargo, acaba usando a máquina administrativa em seu benefício. O senhor acredita que a reeleição será revista?
Marco Aurélio Acredito. Às vezes a coisa precisa ficar muito crítica para ser revista. É o que vai ocorrer com a reeleição. É um passeio tentar a reeleição. E o que ocorre é que a disputa é uma disputa super desequilibrada. Aquele que concorre com alguém que tenta o segundo mandato não concorre nas mesmas condições. O exemplo maior que nós já tivemos, em relação à Presidência da República, e temos em relação aos estados e aos municípios. E agora ainda surge uma flexibilidade quanto à postura que implica a transgressão a lei em termos de conduta do administrador que visa à reeleição. Para alguns, se tem a opção de, ao invés de se cassar o diploma do eleito, simplesmente se impor uma multa. Tive a oportunidade de votar no Plenário do TSE no julgamento do processo que pedia a cassação do governador de Alagoas [Teotônio Vilela Filho (PSDB)] e iniciei meu voto dizendo que hoje se compra a transgressão da lei. E sai barato. Uma multa de R$ 10 mil reais para se ter um cargo como o de governador é muito barato.
ConJur — O Judiciário vem ocupando o lugar do Legislativo, como apontam muitos críticos?
Marco Aurélio O Judiciário não substitui o Legislativo. Essa é uma visão míope. A nossa atuação é sempre uma atuação vinculada ao direito posto. A Constituição Federal de 1988 trouxe uma ação que é mandamental, o Mandado de Injunção, para justamente evitar que a inércia do Parlamento, deixando de regulamentar um direito assegurado constitucionalmente, implique prejuízo para o cidadão. Então, nós atuamos. E quando nós atuamos o Legislativo percebe que realmente está a dever, e a dever muito, à sociedade. E criticam. Há pouco começamos a julgar a problemática do aviso prévio proporcional. Eu fui até adiante para preconizar algo realmente de envergadura maior, visando alertar, então correram com o projeto de lei e a previsão do aviso prévio proporcional, que data de 1988, foi aprovada em 2011. Deveriam ter aprovado imediatamente após a Carta. E continuamos com “n” artigos a encerrarem direitos dos cidadãos em geral na Constituição sem regulamentação. Como eu disse em voto, trata-se de uma inapetência do Congresso Nacional. E ele precisa atuar para buscar junto aos olhos da sociedade o próprio fortalecimento.
ConJur — Qual a opinião do senhor sobre a PEC que aumenta de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória no serviço público?
Marco Aurélio
Sou favorável. Escrevi um artigo sobre isso na Folha de S. Paulo em 2002, com o título O Brasil lugnagiano — o castigo da aposentadoria compulsória. Eu, por exemplo, o que considero um absurdo, poderia ter me aposentado aos 49 anos. Mas a prata nunca me seduziu. Sinto-me um homem realizado julgando. Ainda enfrento hoje um processo como se fosse o primeiro da minha vida, com o mesmo entusiasmo, com a mesma paciência de folhear o processo físico. Minha mulher já reclama. Ela é desembargadora e está aguardando que eu me aposente, porque ela também já tem tempo para se aposentar. E ela reclama porque eu já disse que se aumentar a idade da compulsória para 75 anos, terão que me agüentar mais cinco anos. E eu espero continuar com o mesmo pique.

by Rodrigo Haidar e Pedro Canário

Fonte: ConJur


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O Supremo e o mensalão

Que a ética na política é uma prática cada vez mais em desuso por parte dos nossos homens públicos é realidade que salta aos olhos. Se mudar essa verdade incômoda é uma necessidade premente, uma cartada decisiva ocorrerá em 2012 com o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, do processo do mensalão. Tido e havido como o maior escândalo da história republicana brasileira, o caso foi uma bem-arquitetada trama urdida para garantir apoio político ao presidente Lula na sua primeira gestão. Em troca, os parlamentares da base de apoio do governo eram aquinhoados com polpudas mesadas mensais, dinheiro proveniente de acertos espúrios entre políticos, banqueiros e publicitários.
A extensão do golpe pode ser avaliada pelas palavras do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que na denúncia contra 38 envolvidos qualificou o mensalão como “a mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber”. Disse mais o procurador ao afirmar que “no momento em que a consciência do representante eleito pelo povo é corrompida em razão do recebimento de dinheiro, a base do regime democrático é irremediavelmente ameaçada”.
O caso ganha contornos mais graves quando se sabe do envolvimento direto de figuras próximas do núcleo do poder petista, a começar pelo ex-ministro José Dirceu, que sem meias palavras foi qualificado por Gurgel como “o chefe da quadrilha”. Além dele, ou­­tros companheiros como Delúbio Soares, José Genoino, João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson, ao lado dos publicitários Marcos Valério e Duda Mendonça, estão no rol dos implicados.
Com a proximidade do início do julgamento previsto para meados de abril, todas as atenções se voltam para o STF diante dos interesses em jogo. Interesses que misturam de um lado as pressões de bastidores para desqualificar os reais propósitos do mensalão e, de outro, a expectativa que tem a sociedade de que a punição dos culpados possa sinalizar novos rumos para a política brasileira. Os recentes casos de corrupção envolvendo ministros do governo Dilma Rousseff atestam de forma cristalina a necessidade de se instalar um novo patamar de moralidade para os gestores da máquina oficial. Uma realidade que passa inevitavelmente pelo julgamento do mensalão pelo que simbolizará expurgar da vida pública aqueles que proliferam em torno do poder apenas para tirar vantagem de cargos e posições.
Por tudo isso, é de fundamental importância que o Supremo leve a cabo a apreciação do caso a tempo de evitar que ocorra a prescrição de algumas penas, como chegou a aventar o ministro Ricardo Lewandowski dias atrás. Retardar o julgamento para que só termine em 2013 é tudo o que sonham os implicados. Para tanto, insistem no mantra de que toda a dinheirama que envolveu partidos políticos, parlamentares, publicitários e bancos para a compra de apoio ao governo Lula não passou mesmo de um mero problema de caixa 2 de campanha. Nesse esforço, até mesmo o ex-presidente Lula, reiteradas vezes, chegou a negar a existência do mensalão, qualificando-o como “fraude” que nunca existiu e que pretendia desmascarar quando deixasse o governo. Deixou o governo, sem mais tocar no assunto. Assunto que caberá ao STF dar a última palavra, o que se espera ocorra segundo as expectativas dos cidadãos que cobram dos homens públicos comportamento probo e voltado para os interesses da sociedade. Dependendo do resultado, o julgamento do mensalão sinalizará o caminho que o país pretende seguir.


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Mensalão: agora ou nunca

Se o julgamento dos 36 réus não ocorrer neste ano, grande parte das penas prescreve já em 2013.

Após mais de quatro anos à espera de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o processo do mensalão começa 2012 em uma fase crítica. Com a possibilidade de prescrição da maioria das penas se o julgamento não ocorrer neste ano, os ministros enfrentam uma corrida contra o tempo para evitar que possíveis punições se tornem inaplicáveis.
Alguns ministros do Supremo, como o revisor da ação, Ricardo Lewandowski, dão sinais de que não haverá fôlego no STF para concluir o julgamento neste ano. A recém-empossada ministra Maria Weber, inexperiente em causas criminais por ser originalmente juíza do Trabalho, também estaria propensa a pedir vista do processo, segundo noticiou ontem o jornal Folha de S.Paulo.
Alguns analistas avaliam que, simbolicamente, seria muito ruim para o país caso isso venha a ocorrer e as penas prescrevam. O Brasil estaria dando, na avaliação deles, o mau exemplo de que a impunidade dos políticos é, de fato, regra. Mas outros especialistas discordam dessa avaliação e acham que o julgamento deve ser estritamente técnico e não político, ao contrário do que pensa parte expressiva da opinião pública.
Duração do caso
De acordo com o Código de Processo Penal, a prescrição está ligada à duração do processo judicial, que tem como data-base o recebimento da denúncia pela Justiça – agosto de 2007, no caso do mensalão. Pelas regras, uma condenação a prisão por dois anos prescreve em quatro anos a partir do início da ação. Por exemplo: se parte dos 36 réus for punida com apenas dois anos de reclusão por alguma das práticas citadas no processo (formação de quadrilha, peculato, corrupção e evasão de divisas) a pena já estaria prescrita em agosto de 2011.
“Com relação a alguns crimes, não há dúvida nenhuma de que poderá ocorrer a prescrição”, disse Lewandowski, em entrevista à Folha de S.Paulo em 13 de dezembro. A declaração gerou repercussão imediata. Um dia depois, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que “dificilmente” vão ocorrer prescrições se o julgamento ocorrer durante o primeiro semestre de 2012. Uma semana depois, o ministro-relator da ação, Joaquim Barbosa, entregou aos colegas o relatório final do processo, com 122 páginas.
No entendimento de Barbosa, o julgamento pode ocorrer em maio. Outros números, porém, contrariam contra essa previsão. Lewandowski, que vai apresentar um voto paralelo ao de Barbosa na condição de revisor da ação, afirmou que ainda vai precisar começar a ler os mais de 130 volumes e 600 páginas de depoimentos envolvidos no processo. Além disso, as aposentadorias de dois ministros (Cezar Peluso e Ayres Britto), previstas para este ano, devem provocar mais atrasos.
Menos réus
Enquanto a Justiça tarda, a ação vai passando por transformações. Inicialmente, eram 40 réus. Hoje, são 36 acusados formalmente (veja quem são eles no infográfico).
O eixo do processo, contudo, continua o mesmo e remete a 2005, quando o então presidente do PTB, Roberto Jefferson, declarou que o governo do então presidente Lula pagava uma espécie de mesada (o mensalão) a congressistas em troca de votos.
Nas alegações finais da denúncia entregue em julho do ano passado, o procurador Roberto Gurgel reafirmou que o comandante do esquema era o ex-deputado e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Caso as acusações sejam acatadas pelo STF na íntegra, Dirceu, e outros dois supostos “cabeças” – o ex-deputado José Genoino (PT-SP) e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares – podem pegar penas de até 100 anos de prisão. No Brasil, entretanto, a pena máxima de reclusão não pode superar os 30 anos.


Para juristas, julgamento tem de ser técnico e não “moral”
Ex-professor de Direito dos atuais ministros do STF Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski, Dalmo Dallari diz que o julgamento do mensalão pode ser considerado um dos mais relevantes da história recente do Supremo. Mas, para ele, está sendo supervalorizado pelo significado político. “A imprensa tem agido como se a moralidade do país dependesse desse processo, o que não é verdade”, afirma.
Para o jurista, que é catedrático da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco), a principal falha do Supremo no caso tem sido a demora. “Há um antigo brocardo [princípio] jurídico que diz: ‘Justiça tardia é injustiça’.” Por outro lado, Dallari acre­­­dita na “qualidade técnica” da decisão que será tomada pelos ministros. “Trata-se de um processo complexo, mas eu não vejo possibilidade de falhas.”
Foro privilegiado
Doutor em Direito Cons­­­ti­­tucional e professor da Uni­­­versidade de Brasília, Cristiano Paixão concorda com o problema da morosidade, mas tira a culpa do STF. “Estamos falando de um processo criminal, que nem deveria estar sendo julgado pelo Supremo, um tribunal de causas constitucionais. O problema é a questão do foro privilegiado”, opina Paixão.
Apesar de a maioria dos réus não ter a prerrogativa de ser julgada pelo STF, todos foram incluídos na mesma instância porque, na época, o caso envolvia deputados federais e ministros. “Essa é uma culpa que não dá para ser colocada nas costas do Supremo”, complementa ele. Segundo Paixão, a demora para o julgamento não está fora dos padrões judiciários brasileiros.
Assim como Dallari, o professor avalia que o julgamento não será “moral”. “Existe o temor de que o mensalão vai ficar impune, mas o STF não vai fazer um julgamento político, como ocorre nos conselhos de ética do Congresso Nacional. Será um julgamento técnico, dentro do que diz a lei.”

STF já condenou 5 deputados, mas nenhum cumpriu pena
Entre 2010 e 2011, o STF condenou cinco deputados federais, mas nenhum deles foi para a prisão ou começou a cumprir pena. Essas condenações foram as primeiras de políticos brasileiros no Supremo desde a promulgação da Constitui­­­ção de 1988. Na lista está o para­­naen­­se Cassio Taniguchi (DEM), atual secretário estadual de Plane­­­jamento. Assim como pode ocorrer com os réus do mensalão, Taniguchi foi beneficiado pela prescrição das penas.
Eleito deputado federal para a legislatura 1997-2000, Cassio foi condenado em maio de 2010 por crimes de responsabilidade cometidos em 1997, quando era prefeito de Curitiba. Ele recebeu duas penas de três meses de prisão, cada uma, por ter utilizado dinheiro de um empréstimo do Banco Intera­­­mericano de Desenvolvi­­­mento (BID) destinado a projetos de transporte urbano para pagar precatórios. E, além disso, porque ordenou despesas não autorizadas por lei. Apesar da decisão, não foi punido porque as penas prescreveram em 2004.
Dos demais condenados, os ex-deputados Zé Gerardo (PMDB-CE) e José Tatico (PTB-GO) e o deputado Natan Donadon (PMDB-RO) recorreram das sentenças. Até o mês passado, Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) esperava pela publicação do acórdão para tomar uma decisão. O recurso de Tatico começou a ser julgado em dezembro, mas os ministros não concluíram a sessão – ele foi condenado a sete anos de prisão em regime semiaberto por sonegação e apropriação indébita de contribuição previdenciária.
Subserviência
O historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, diz que o julgamento do mensalão caminha para ser mais um episódio de subserviência do STF aos políticos e governos. “A sociedade brasileira pode se preparar para receber um tapa na cara. O Supremo nunca esteve ao lado do cidadão, da coisa pública e não vai ser desta vez que estará”, diz Villa, autor do livro A História das Constituições Brasileiras, que tem um capítulo dedicado ao desempenho do tribunal.
Sob a ótica política, o professor de Ética e Filosofia Elvis Cenci, da Universidade Estadual de Londri­­­na (UEL), avalia que o mensalão já teve seus maiores efeitos antes do julgamento. “O mensalão quebrou a imagem do PT como ícone da moralidade e, ao mesmo tempo, gerou um clima de total desesperança nos políticos. O eleitor brasileiro ficou mais cético.” (AG)



Supremo em xeque!

Supremo vê crise atual como a mais grave do Judiciário desde 1999

Provocado pelos magistrados, Supremo até agora se posicionou contra investigações nos tribunais e acabou se colocando no centro da polêmica que ameaça sua credibilidade.
A crise do Judiciário brasileiro, escancarada na semana passada pela liminar do ministro Ricardo Lewandowski que paralisou as investigações da Corregedoria Nacional de Justiça, já é reconhecida nos bastidores desse Poder como uma das maiores da história, pelos efeitos que terá na vida do Supremo Tribunal Federal (STF). Estudiosos veem nela, também, um divisor de águas. Ela expõe a magistratura, daqui para a frente, ao risco de consolidar a imagem de instituição avessa à transparência e defensora de privilégios.
Juízes do Supremo iniciando uma sessão: opiniões divididas quanto ao poder investigatório do CNJ  - Wilson Pedrosa/AE – 3/11/2011
Ministros do STF ouvidos pelo Estado dizem não se lembrar de uma situação tão grave desde a instalação da CPI do Judiciário, em 1999. Mas agora há também suspeitas pairando sobre integrantes do Supremo, que teriam recebido altas quantias por atrasados. “Pode-se dizer que chegamos a um ponto de ruptura, porque muitos no Supremo se sentem incomodados”, resume o jurista Carlos Ari Sundfeld.
Na outra ponta do cabo de guerra em que se transformou o Judiciário, Eliana Calmon, a corregedora nacional de Justiça, resume o cenário: “Meu trabalho é importante porque estou certa de que é a partir da transparência que vamos ser mais respeitados pelo povo.”
O que tirou do sossego o Poder Judiciário foi a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de mexer na “caixa preta” dos tribunais, ao inspecionar as folhas de pagamento e declarações de bens de juízes, em especial os de São Paulo. A forte reação dos investigados leva o advogado e professor de Direito Constitucional Luiz Tarcísio Ferreira, da PUC-SP, a perguntar: “Se há uma rigorosa vigilância da sociedade sobre o Executivo e o Legislativo, por que o Judiciário ficaria fora disso? Se esse Poder nada deve, o que estaria temendo?” Ferreira arremata: “Os juízes sabem que quem paga os seus salários é o povo.”
Interpretações.
O ponto nervoso do episódio, para o jurista Carlos Sundfeld, são as vantagens remuneratórias desses magistrados. “Antes do CNJ, esse assunto sempre ficou a cargo dos tribunais e eles foram construindo suas interpretações da lei. Montou-se então um sistema vulnerável. A atual rebelião nasce dessas circunstâncias - o medo dos juízes, que são conscientes dessa vulnerabilidade.”
Ao longo da semana, a temperatura da crise cresceu com novos episódios, como a concessão de liminares para suspender investigações do CNJ e a revelação de que ministros do STF poderiam estar entre os investigados por supostamente terem recebido altos valores relativos a passivos trabalhistas.